Vem da Marambaia,  este bairro  periférico (e no bojo das comemorações dos 16 anos do  Movimento  Cultural da Marambaia, Moculma) a notícia mais interessante  que eu ouvi  sobre cinema na Amazônia: o professor Sebastião Pereira  informou sobre  o filme CABANOS durante a Oficina de Formação  Cineclubista que o  INOVACINE realizou na Escola República de Portugal  (Parceria  Fapespa+APJCC+Cineclube Amazonas Douro+Moculma).
  A notícia de que o  projeto  CINESCOLA, projeto guerreiro e guerrilheiro, realizou o filme  CABANOS  (1h43min) com cerca de 70 estudantes da escola pública  Temístocles de  Araujo – com rodagens em Curuçá, Abaetetuba, Ilha das  Onças e Cidade  Velha - apenas emerge o que sempre soube: que a Marambaia  é pólo de  produção cultural e de criação artística. E nomes não lhe  faltam:  Cuité, Tomé, Pão, Mika, Weyl, Caeté, Clei de Souza, Marko da  Lama,  Buscapé, Sebastian, e tantos outros que agora me escapam.
  Mas o essencial a  ser dito  aqui é que o professor SEBASTIÃO PEREIRA realizou este projeto  sem  nenhum centavo de ninguém. Ao contrário, alguns projetos  relacionados  ao cinema (festivais e filmes) gastam fortunas, tem apoios  de leis e  empresas, mas não tem nenhum compromisso com a HISTÓRIA da  Amazônia. É  fato: a luta de classes também se revela no cinema  amazônida.
   
 (...) A Amazônia tem  sido  plateau de diversas produções cinematográficas, muitas das quais   mediatizadas pela indústria cultural e outras por esta renegada. A   indústria sabemo-lo, articula-se ao mercado e às respectivas cadeias   produtivas que compõem o setor audiovisual, que não tem a menor condição   de se desenvolver nesta Região, tratada com IRRESPONSABILIDADE pelos   poderes públicos e grandes projetos e empresas que – sem nenhum   compromisso com a Amazônia – investem o lucro daqui recolhido em outros   centros e praças, nacionais e internacionais.
  Este plateau  amazônico,  entretanto, ele confere certo glamour às grandes produções,  até porque  afinal de contas, o meio ambiente e a floresta estão em moda,  sendo  politicamente correto abordá-los, ainda que de relance. Logo,  fazer um  filme ou um festival de cinema na Amazônia pode render  dividendos a  quem se arrisca a esta aventura. As Leis escancaram suas  portas e as  empresas pegam carona nas vantagens por elas oferecidas.
E  há sempre produtor de  plantão para assinar um projeto cultural de carta  marcada cujo objetivo  final será sempre a publicidade de uma marca.
  Paralelamente,  artistas e  verdadeiros criadores vem produzindo o que eu posso denominar  de  gramatologia fílmica amazônida. São pessoas articuladas a entidades   culturais e pontos de cultura que tiveram acesso às ferramentas   audiovisuais e montam filmes que resultam de oficinas de formação ou   mesmo a partir de meras capturas aleatórias de preciosos momentos que   tornam estas entidades no cerne da produção cinematográfica,   cineclubista e audiovisual amazônida.
  É uma onda  tsunâmica que  rebenta na superfície do oceano o que vem rebentando nas  suas  profundezas. É a insubordinação e insubmissão de seres humanos com   potencial crítico, oriundos dos movimentos sociais e agregados aos   movimentos sociais que não abrem mão de construir e escrever com a   câmera de filmar uma nova HISTÓRIA. Este choque se estabelece de várias   formas e possui vários matizes, alguns dos quais aqui abordados.
  Estas são as duas  imagens do  filme da luta de classes que se processa no coração da  Amazônia: Mito X  História.  Mito e História são dois lados  de uma mesma  moeda. De troca. Pois que se t®ocam entre si, de forma que –  perplexos –  nem conseguimos identificar onde um é um e o outro é o  outro. Nesta  fusão simbiótica, Mito e História tornam-se uma coisa só,  mas apesar de  (IN)diferenciados, eles possuem – cada um –  características próprias  que fazem com que eles sejam o que são, no que  de fato os diferencia.
  De um lado, o  mito, com toda a  sua pujança e com o que ele tem de mais fecundo nos  processos de  construção do inconsciente coletivo amazônida-paraoara,  onde afinal de  contas nascem e se refazem, chocam-se e se fragilizam as  imagens e os  imaginários das culturas populares, as suas narrativas, as  quais,  muitas vezes se redimensionam – pela via mítica - para que  possamos ver  o que afinal de contas éramos proibidos de olhar.
  De outro lado, a  História,  remodelada sob a ótica dos colonizadores que ignoram sejam os  processos  de conquistas políticas das classes excluídas, sejam as  contribuições  culturais dos povos que já aqui habitavam antes mesmo da  chegada dos  brancos, como a civilização pré-colombiana marajoara, as  etnias  indígenas, e os negros com os seus ensinamentos africanos,  patrimônios  imateriais do que hoje é a Amazônia na sua plenitude  continental.
  Se nós podemos  dizer que há  uma tradição revolucionária no cinema amazônida, por força  temos que  nos referir aos índios que vem pegando em câmeras e fazendo  docs a  partir de seus próprios olhares, transportando e importando as  suas  formas de ver e viver o mundo para as obras que vem realizando. Sem   dúvidas, os índios são os criadores de um novo cinema amazônida,   enquanto que nós, os brancos mestiços, vamos ficando condenados a esta   pasteurização “medióta” (mistura de mídia com idiota), até porque não   existe uma “escola” estética do cinema amazônida.
  Alguns motivos de  ainda não  ter sido constituída uma linguagem cinematográfica amazônica:
   
1.      Produtores  e criadores de tais linguagens se  recusam em aprofundá-la na sua  grandeza estética;
  
2.      Produtores e criadores de tais linguagens se  recusam em  aprofundá-la na sua grandeza estética porque não passam de  meros  reprodutores de padrões e regras que afinal de contas são  responsáveis  pela colonização fílmico-imagética da Amazônia;
  
3.      Produtores e  criadores de tais linguagens estão  mais interessados no mercado do que  na mata propriamente dita;
  
Enquanto  consumimos uma produção audiovisual  que não é criada e nem produzida -  nem aqui e nem por quem aqui habita  ou já aqui habitou, “VEMOS (?)” a  Amazônia sob esta ótica que lhe é  exterior. E consumimos imagens que na  verdade foram usurpadas à nossa  tradição cultural sob o signo de um  processo danoso, de destruição e  colonização, sendo, portanto, natural  que acabemos por representar  estas mesmas imagens em nossos escassos  repertórios - de forma  medíocre, já que não vamos além das regras que –  apesar de impostas –  aceitamos como se fôssemos condenados a ser  colonizados.
    
  
PS:  O Filme CABANOS  estreia dia 27 de março no OLÍMPIA. Acessem e vejam  trecho aqui: http://www.youtube.com/watch?v=yvGCc3GPW0A.   Oxalá a mídia local e os pseudo-críticos tenham competência ética e   estética para ver e dialogar sobre o cinema que se faz na Amazônmia.    Por © Francisco Weyl   
Carpinteiro  de Poesia e de Cinema
   Belém, 18  de março de 2010