Pesquise qualquer coisa. Aqui ou na Web

quinta-feira, 18 de março de 2010

Matinta X Cabanagem: cinema e luta de classes na Amazônia


Vem da Marambaia, este bairro periférico (e no bojo das comemorações dos 16 anos do Movimento Cultural da Marambaia, Moculma) a notícia mais interessante que eu ouvi sobre cinema na Amazônia: o professor Sebastião Pereira informou sobre o filme CABANOS durante a Oficina de Formação Cineclubista que o INOVACINE realizou na Escola República de Portugal (Parceria Fapespa+APJCC+Cineclube Amazonas Douro+Moculma).


A notícia de que o projeto CINESCOLA, projeto guerreiro e guerrilheiro, realizou o filme CABANOS (1h43min) com cerca de 70 estudantes da escola pública Temístocles de Araujo – com rodagens em Curuçá, Abaetetuba, Ilha das Onças e Cidade Velha - apenas emerge o que sempre soube: que a Marambaia é pólo de produção cultural e de criação artística. E nomes não lhe faltam: Cuité, Tomé, Pão, Mika, Weyl, Caeté, Clei de Souza, Marko da Lama, Buscapé, Sebastian, e tantos outros que agora me escapam.


Mas o essencial a ser dito aqui é que o professor SEBASTIÃO PEREIRA realizou este projeto sem nenhum centavo de ninguém. Ao contrário, alguns projetos relacionados ao cinema (festivais e filmes) gastam fortunas, tem apoios de leis e empresas, mas não tem nenhum compromisso com a HISTÓRIA da Amazônia. É fato: a luta de classes também se revela no cinema amazônida.


(...) A Amazônia tem sido plateau de diversas produções cinematográficas, muitas das quais mediatizadas pela indústria cultural e outras por esta renegada. A indústria sabemo-lo, articula-se ao mercado e às respectivas cadeias produtivas que compõem o setor audiovisual, que não tem a menor condição de se desenvolver nesta Região, tratada com IRRESPONSABILIDADE pelos poderes públicos e grandes projetos e empresas que – sem nenhum compromisso com a Amazônia – investem o lucro daqui recolhido em outros centros e praças, nacionais e internacionais.


Este plateau amazônico, entretanto, ele confere certo glamour às grandes produções, até porque afinal de contas, o meio ambiente e a floresta estão em moda, sendo politicamente correto abordá-los, ainda que de relance. Logo, fazer um filme ou um festival de cinema na Amazônia pode render dividendos a quem se arrisca a esta aventura. As Leis escancaram suas portas e as empresas pegam carona nas vantagens por elas oferecidas.


E há sempre produtor de plantão para assinar um projeto cultural de carta marcada cujo objetivo final será sempre a publicidade de uma marca.

Paralelamente, artistas e verdadeiros criadores vem produzindo o que eu posso denominar de gramatologia fílmica amazônida. São pessoas articuladas a entidades culturais e pontos de cultura que tiveram acesso às ferramentas audiovisuais e montam filmes que resultam de oficinas de formação ou mesmo a partir de meras capturas aleatórias de preciosos momentos que tornam estas entidades no cerne da produção cinematográfica, cineclubista e audiovisual amazônida.


É uma onda tsunâmica que rebenta na superfície do oceano o que vem rebentando nas suas profundezas. É a insubordinação e insubmissão de seres humanos com potencial crítico, oriundos dos movimentos sociais e agregados aos movimentos sociais que não abrem mão de construir e escrever com a câmera de filmar uma nova HISTÓRIA. Este choque se estabelece de várias formas e possui vários matizes, alguns dos quais aqui abordados.


Estas são as duas imagens do filme da luta de classes que se processa no coração da Amazônia: Mito X História. Mito e História são dois lados de uma mesma moeda. De troca. Pois que se t®ocam entre si, de forma que – perplexos – nem conseguimos identificar onde um é um e o outro é o outro. Nesta fusão simbiótica, Mito e História tornam-se uma coisa só, mas apesar de (IN)diferenciados, eles possuem – cada um – características próprias que fazem com que eles sejam o que são, no que de fato os diferencia.


De um lado, o mito, com toda a sua pujança e com o que ele tem de mais fecundo nos processos de construção do inconsciente coletivo amazônida-paraoara, onde afinal de contas nascem e se refazem, chocam-se e se fragilizam as imagens e os imaginários das culturas populares, as suas narrativas, as quais, muitas vezes se redimensionam – pela via mítica - para que possamos ver o que afinal de contas éramos proibidos de olhar.


De outro lado, a História, remodelada sob a ótica dos colonizadores que ignoram sejam os processos de conquistas políticas das classes excluídas, sejam as contribuições culturais dos povos que já aqui habitavam antes mesmo da chegada dos brancos, como a civilização pré-colombiana marajoara, as etnias indígenas, e os negros com os seus ensinamentos africanos, patrimônios imateriais do que hoje é a Amazônia na sua plenitude continental.


Se nós podemos dizer que há uma tradição revolucionária no cinema amazônida, por força temos que nos referir aos índios que vem pegando em câmeras e fazendo docs a partir de seus próprios olhares, transportando e importando as suas formas de ver e viver o mundo para as obras que vem realizando. Sem dúvidas, os índios são os criadores de um novo cinema amazônida, enquanto que nós, os brancos mestiços, vamos ficando condenados a esta pasteurização “medióta” (mistura de mídia com idiota), até porque não existe uma “escola” estética do cinema amazônida.


Alguns motivos de ainda não ter sido constituída uma linguagem cinematográfica amazônica:


1. Produtores e criadores de tais linguagens se recusam em aprofundá-la na sua grandeza estética;


2. Produtores e criadores de tais linguagens se recusam em aprofundá-la na sua grandeza estética porque não passam de meros reprodutores de padrões e regras que afinal de contas são responsáveis pela colonização fílmico-imagética da Amazônia;


3. Produtores e criadores de tais linguagens estão mais interessados no mercado do que na mata propriamente dita;


Enquanto consumimos uma produção audiovisual que não é criada e nem produzida - nem aqui e nem por quem aqui habita ou já aqui habitou, “VEMOS (?)” a Amazônia sob esta ótica que lhe é exterior. E consumimos imagens que na verdade foram usurpadas à nossa tradição cultural sob o signo de um processo danoso, de destruição e colonização, sendo, portanto, natural que acabemos por representar estas mesmas imagens em nossos escassos repertórios - de forma medíocre, já que não vamos além das regras que – apesar de impostas – aceitamos como se fôssemos condenados a ser colonizados.


PS: O Filme CABANOS estreia dia 27 de março no OLÍMPIA. Acessem e vejam trecho aqui: http://www.youtube.com/watch?v=yvGCc3GPW0A. Oxalá a mídia local e os pseudo-críticos tenham competência ética e estética para ver e dialogar sobre o cinema que se faz na Amazônmia.

Por © Francisco Weyl

Carpinteiro de Poesia e de Cinema

Belém, 18 de março de 2010